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Foto do escritorbebê

fabulário

- por micheliny verunschk -


I

bachelard já era um velho cogumelo

no jardim da minha casa

quando eu nasci.

eu nem tinha três anos

e meu avô me levou pela mão

e apontou: vê, aquele é bachelard

está aqui há eras.

um dia bachelard desapareceu

e em seu lugar nasceu um mistério de três cores.

o mundo às vezes pode ser um lugar

de coisas fascinantes e inexplicáveis.

 

II

o meu pai usava uma flor na lapela.

chama-se ítalo calvino, ele dizia,

é uma flor imperecível.

depois que meu pai morreu

guardei sua flor na gaveta

da cabeceira

e vez por outra a abro

e ela se ilumina.

há coisas que não consigo explicar.

 

III

o meu primo louco

está sempre acompanhado

por um pequeno cacto,

uma susan sontag,

ele diz, orgulhoso.

peço emprestado

mas ele sempre me nega.

só depois de morto,

responde, displicente.

o meu primo,

de algum modo ele sempre tem razão.

 

IV

esse alfinete

de inseto

que prende o meu decote,

o achei na caixa de joias

que foi da minha avó.

é um alejo carpentier

prateado.

costumo usá-lo sempre,

exceto no outono,

quando não para quieto

e faz-me cócegas

por entre os seios.

algumas coisas

têm vontade própria.

 

V

outra noite sonhei com um bisavô

a quem não conheci.

ele foi agricultor.

na manhã seguinte, na jardineira,

mudas de roland barthes

lydia davis e

joão cabral

nasceram desordenadamente.

não entendo muito de sonhos e presságios.

 

VI

este sebald cresceu

entre lírios e limo

talvez deixado em semente

por algum pássaro

ou outro polinizador.

persistente como algumas memórias

resiste às intempéries.

  

VIII

as sophias de mello

são orquídeas exigentes

e florescem em ondas

desdobrando-se pelos troncos

dessa espécie de árvore apenas

só assim são felizes

uma felicidade em branco puríssimo.

  

IX

a pedra deste anel

é uma orides

lembranças de um amor desastrado

o qual me esforço

por esquecer.

gosto, no entanto,

do seu feitio de jade

e dos veios que sugerem

no espelho lapidado

um pequeno opilião.

 

X

o lavrador sustém

cuidadosamente

a charrua nos sulcos

e lembro de em criança

brincar entre os leirões

de osmans e llansols.

os meus pés descalços

são ainda o eixo do tempo.

 

 

 *foto de malu baumgarten

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