- por malu baumgarten -

Elas:
negros véus, cabeça baixa
no rosto a dor dos enganados
ombros que apontam para o solo
nos tristes olhos uma lágrima limpa
— Oh, meu deus, eu não sabia,
não sabia, mea culpa maxima et maxima culpa!
Senhor Deus dos desgraçados livrai-nos das viúvas escravocratas
das senhorinhas escandalizadas pela presença das subalternas raças
em seu playground
medrosas dos universitários filhos de escravos, de inteligência mais viva
que a dos meninos e meninas nascidas no privilégio
atemorizadas por essas índias que se declaram tutoras da Terra Brasilis
e as bichas tresloucadas, mulheres de sapatão,
meninas com pinto grande, a dividir o ar com os ricos filhos
das mamães ricas ou que querem ricas ser.
Eles:
com olhos corajosos
assumem ao grande público a secreta homossexualidade
pios, expõem-se aos olhos da malta
que é refinada no ódio, mas adora os atrevidos
os que fazem da ciência fé, e da fé verdade
os donos da ignorância em sua romântica cavalgada
aos confins da terra plana, ao precipício marcado no mapa
com a clara advertência here be dragons!
Senhor Deus dos desgraçados, dizei-me vós de que cova rastejam
as peçonhentas criaturas, carpideiras de nossa gente
vendilhões de nossas vidas, um dólar de cada vez
a mulher que vende as meninas no Congresso Nacional
— gostam as vítimas do abuso, disse a hiena aos jornalistas —
o negro que queima os Palmares livros da saga negra
(mas não pode tirar a história da pele dos negros,
nem se livrar da cor à qual não faz jus)
a bicha que chama a polícia contra as meninas trans
que trocam sexo por comida no parque.
Ele e elas, estão agora envergonhados
soltaram a besta do fascismo e o diabo era maior que o rabo
gritam em coro, errei erramos, contritos pedem perdão
alistam-se em nossas fileiras para derrubar o mal
que criaram por si mesmos, por soberba, ganância, falta de senso
pois cada um deles é um, nunca um todo coletivo
e primeiro ele, primeiro ela, primeiro a filha, o filho, a cadela, o passarinho
lá no fim os morredouros brasilianos
nada mais são que forças de braços, dor pra gastar, lenha-energia
que alimenta a riqueza dos que querem mais e mais e mais e muito mais
um corpo é um corpo é uma cova rasa, é um número, é ninguém na conta dos ricos
e seus asseclas, que ricos sonham ser.
Entre o deus dos desgraçados e o diabo que os carregue
viro as costas, cuspo neles, nas faces prostradas,
perdão não é meu para conceder
vai na conta dos milhares de mortos, da pobreza rompante
do retrocesso aos anos de chumbo
Ademais, isto sei
quando derrubada a besta for,
baixinho a princípio e então num crescendo
entoarão eles novamente o coro do ódio,
voltarão aos seus armários,
trairão a raça em troca de privilégios mal servidos,
e elas, queimarão mulheres na fogueira das gordas,
das feias, das lésbicas, das empregadas.
Eu digo não às viúvas do fascismo.
Poema © Malu Baumgarten
Foto Montagem: Foto de arquivo do acervo do estado de SC sobre fotografia de ©Malu Baumgarten - a foto mostra "bugreiros" assassinos profissionais a soldo de fazendeiros, posando com sua presa, crianças e mulheres indígenas do etnia Xokleng, na área de Morro dos Cavalos, estado de Santa Catarina. De acordo com depoimentos dos bugreiros, suas vítimas seriam depois assassinadas, para evitar futuras vinganças. A fotógrafa quis acentuar nesta montagem a expressão das vítimas, deixando os algozes de pano de fundo. A foto original é um testemunho aos mais de 500 anos de opressão e colonialismo daquela que chamamos a sociedade brasileira.
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