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a aventura da linha

- por rubia delorenzo -



O rosto de porcelana destoava da idade. Muito liso, empoado, e o cabelo louro nylon como o das bonecas da Estrela, faziam daquela figura um ser, entre humano de carne e um brinquedo de celuloide. O piscar dos olhos envidraçados, a cor caribenha no olhar, ela era artificial na aparência, um tanto robótica ao andar.

Podia-se adivinhar seu guarda-roupa. Peças clássicas para ocasiões formais, colares burgueses, indicadores de classe, acessórios sem ousadia, mas brilhando como ouro, rugosos como pérolas de rio.

Venho pensando nisso. Na aflição feminina por recobrir, revestir, tingir, mascarar, conter-se nos limites das linhas. E no entanto, ousar desfigurar, derramar-se com engenho para fora dos contornos. Mas por causa mesmo do risco, voltar para margens seguras.

Lembro -me da humilhação sofrida por uma mulher, quando se vê surpreendida pelo olhar indiscreto de seu amor sobre suas meias cerzidas que, se encobriam o rasgado, por outro lado, mostravam a cicatriz.

A boneca, sua toalete composta, que nunca borra, nunca escorre, a saia que nunca amassa, nunca suja, os sapatinhos que jamais perdem o verniz, é tudo o que se quer conservar. A imobilidade de um contorno fixo.

Que se oculte da melhor forma, o avesso da pele lisa, monocromática, tratada na estética dermatológica.

Mas não há contorno fixo. O tempo derruba os traços. A linha transgride e se derrama.

Não canso de escrever sobre isso. Sobre a matéria de se sentir um esboço somente.

Em “Restos de Carnaval”, está ali a menina, receosa, a fantasia pode deformar-se, colar -se ao corpo, caso o aguaceiro que o cinza do céu anuncia, umedeça, comprima, amarfanhe o armado papel crepon cor de rosa.


foto: maíra baumgarten

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