top of page
  • Foto do escritorbebê

como se não houvesse amanhã

- por bebê baumgarten -

O ônibus finalmente para depois de dez horas de uma viagem claustrofóbica e cansativa um calor desgraçado desço e logo de cara antes mesmo de montar a barraca um marimbondo se acomoda entre minha sandália e o pé e faz o estrago porque sou alérgica e sei que essa merda vai coçar loucamente durante todos os dias do festival quem manda usar sandália no mato que é pra chinelo de dia tênis de noite e galocha na chuva mas sei que depois de montar minha barraca de brinquedo tão pequena que é olho com cobiça e espanto as barracas da galera todas modernas com avancê e lonas que praticamente parecem o Country Club e eu ali minúscula num cantinho mordida de marimbondo e o povo já se encharcando de kit ou combo ou o que quer que chamem aquela mistura explosiva de vodca com energético e eu com inveja porque não posso beber por conta de uma hepatite que me tirou uma lasca do fígado e é bem feito porque aqui se faz aqui se paga e eu fiz de montão então fico só olhando e o pessoal dança na hora dos shows e eu danço porque não sou mulher de ficar parada e me animo ainda mais pra provar que mesmo já meio velha e de cara eu me divirto e pior que me divirto mesmo pelo menos até às três da manhã porque depois só com kit ou combo ou o que quer que chamem a porcaria de mistura que eles tomam a valer e eu só olho e no caminho pra barraca vou lembrando das coisas que vivi e eles viveram lá abraçados ouvindo aquela ripongagem de paz e amor sem celular porque lá não pega celular e é a melhor coisa pra um festival que se propõe a ser uma experiência fora do tempo e essa volta a um passado que eu vivi de verdade vivi sem celular um tempo nessa vida sem telefone fixo sem computador sem porra nenhuma e a gente se comunicava e dançava e namorava e olhava as estrelas e até ia na cachoeira tal qual esses dias lá depois de descer do ônibus e ser picada pelo marimbondo que eu coço coço e meu pé já tá uma bola mas mesmo assim eu ando pra lá e pra cá olhando aquela gente colorida a maioria jovem que faz ioga e malabares e eles se rolam na lama em estranhas performances e depois gritam e se jogam no rio não sei como pois o rio é cheio de pedras e tenho até um amigo que ficou tetraplégico por fazer isso mas eles fazem como se não houvesse amanhã e talvez não haja porque os mosquitos no fim do dia são devastadores mas eles permanecem lá e no outro dia estão com a cara fresca e jovial da paz amor e combo ou kit ou o que quer que chamem aquela porcaria que tomam dançando juntos abraçados ou na cantina nas eternas filas da comida ou do banho ou mesmo do banheiro seco que é o melhor de todos apesar de parecer inacreditável que um buraco profundo cavado no chão com uma tábua em cima pra sentar a bunda e um saco de serragem pra despejar no cocô possa ser mais limpo que os banheiros convencionais que ficam podres já no primeiro dia e depois a gente vai levando porque já tá tomado daquilo tudo e faz malabares e se joga no rio com pedra e tudo e vai abraçado pros shows e dança dança dança como se não houvesse amanhã e talvez não haja.


* Foto equipe Morrostock


34 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

em casa

manhã

Post: Blog2 Post
bottom of page