- por maria teresa fornaciari -
Nasceu mirrada, pele branquinha quase transparente, olhar de céu, choro de orvalho. Aos quatro anos já lia palavras soltas nas receitas dos bolos encomendados que a avó fazia. Ouvia o som dessas palavras e as repetia, pingos de chuva num dia de chuvisco. Com sua mãozinha miúda, imitava o desenho das letras e ficava no meio do silêncio acordando sons, como um pianista tocando suavemente as teclas e descobrindo a música. Cantarolava naquela casa de penúria e de pessoas aflitas, emudecidas de riso. A vida caminhava arrastada, mãe, pai, quatro meninos franzinos e a avó, conhecida pelos bolos do que estivesse à mão na casinha com cheiro bom e panela quase sempre vazia. Aos sete anos ajudava entregando bolo pela estradinha tímida, que às vezes tinha flor quando não chovia lambuzando o pé. Saía bem cedinho puxando o pônei tão velho, coitado, transportando bolos num tabuleiro, aquele pônei velhusco, que ia andando acalentado pelas histórias, que ela tecia com palavras colhidas nos lugares todos, nas casinhas pobres, nas vendinhas onde todo mundo tinha caderneta para comprar fiado e pagar no fim do mês. Vendinhas aonde as pessoas iam também para afogar pesares, dramas, intempéries. Aos treze tinha peitinho formado e sabia assar os bolos que ela mesma levava no pônei esquecido de morrer, ele se apegara às histórias cada vez mais fantasiosas que ela criava estimulando-o a viver mais um pouquinho e mais um tanto, pois a vida se alongava nos enredos paralelos da estradinha estreita e germinava naquela terra árida que às vezes tinha até flor. Quando a avó se foi, minguada, dedos machucados, as formas com formatos divertidos que o pai fizera ficaram de herança para ela, sabedora dos segredos dos fermentos e das farinhas peneiradas com ritmo certo para não encruar a maciez do que o pônei transportaria vagaroso pela estradinha antiga.
Um dia o pônei voltou sozinho, abatido, pois o caminho do retorno ficou sem história, ele que se acostumara a ouvir sobre o que havia para além da estradinha cotidiana, onde as pessoas compravam bolo macio nas formas feitas para receber a massa, com ritmo do canto da menina de pele branquinha, já com 15 anos, olhar de céu nublado e choro dolorido. Ela não havia regressado, pois encontrara a Noite no final da estradinha traiçoeira, que ela conhecia tão sabidamente, só não mais que o pônei que depois disso nunca mais pisou ali.
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