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o ninho - 5

Atualizado: 29 de mar. de 2021



da série a história de Johnny Skai


-por malu baumgarten -


O edifício dá de frente para uma rua movimentada, mas tem duas entradas envidraçadas. A porta principal tem um lance de escadas e um elevador para cadeiras de rodas. O ambiente é amplo e claro, e ao subir pode-se ver o acesso dos fundos, que é plano e sai diretamente para um imenso pátio, mistura de estacionamento com jardim, espaço para piqueniques e quintal dos fundos. Lá atrás estão os grandes receptáculos de lixo reciclável deste e dos outros três prédios que compõem o conjunto residencial, assim como um extenso gramado com árvores esparsas, e mais além, quadras de tênis.

Os corredores do prédio se estendem na direção norte-sul, e são longos nos andares inferiores. A partir do quarto piso há apenas cinco apartamentos por andar e a edificação cresce na vertical até o décimo-terceiro andar. Os elevadores têm espelhos nas paredes laterais e possuem uma voz feminina metálica que recita rapidamente: “first floor, second floor,” e quando a porta é por alguma razão impedida de fechar no tempo programado repete irritada: “going up, going up”, ou “going down!”, enquanto tenta fechar-se à cara do freguês.

O apartamento fica à meia-altura do prédio. Não é grande, mas o espaço é suficiente. Tem dois quartos, dois banheiros, uma sala ampla com cozinha integrada e um balcão tipo bar, com dois bancos altos com as costas voltadas para a sala, nos quais se pode jantar, beber ou jogar conversa fora com quem estiver cozinhando. A sala tem janelas que vão do chão ao teto, estendem-se em linha reta voltadas para o oeste e dobram-se em uma curva perpendicular para o norte, onde há um pequeno recanto coberto de plantas. Seguindo a curva norte, mas abandonando a janela, há um espaço precioso, onde descansam instrumentos musicais, algumas estantes recheadas de livros em várias línguas e uma grande poltrona confortável, encabeçada por aquarelas de artistas latino-americanos e iluminada pela luz de um abajur. Ladeada pela ínfima biblioteca ao norte e pelo jardinzinho ao noroeste, situa-se a mesa de jantar, de onde se pode assistir a magníficos pores do sol. A vegetação segue ao longo de toda a janela e por trás do televisor que lhe dá as costas. Ao lado sul da sala há um sofá, marrom como a poltrona, e à frente deste, na linha de limite do tapete cinza escuro, um poste branco com uma haste giratória no meio, um dispositivo de mobilidade que tem por objetivo permitir o acesso ao sofá a pessoas com dificuldade de movimento.

O corredor de entrada do apartamento abre-se em um quadrado não muito grande, que no anúncio de aluguel foi batizado de “estúdio.” Nas paredes, além de uma miscelânea de arte funky, um autorretrato de Leonard Cohen, um pôster de show de Nick Cave e outro da banda Arcade Fire. Perto da porta que sai para o corredor, um enorme quadro com uma vista da baía da Guanabara e a palavra “Brasil” atravessada na vertical. Há um pequeno escritório nessa área, cuja única luz natural vem da sala e dos dois quartos. As demais partes da casa são ligadas por este hall.

O banheiro é próximo ao quarto menor, e tem barras de acessibilidade, um banco dentro do box e chuveiro de mão. O quarto, voltado à direção do poente, tem cama de solteiro e à frente desta, um poste branco similar ao da sala. Há plantas, uma cadeira com roupas, um gaveteiro, closet e mesa de cabeceira. Uma imitação de Matisse acompanha a linha da cama na horizontal, e um Satok original estende-se vertical ao longo da parede. Do outro lado do corredor, o quarto virado para o norte contrasta com o ambiente franciscano da peça anterior. É grande, acarpetado, e tem banheiro próprio. A cama de casal com muitos travesseiros e um macio acolchoado de penas, é emoldurada por uma pintura naíve haitiana ao cimo, mesinhas dos dois lados, pequenos armários brancos suspensos, muitas plantas, a fina cadeira de balanço onde senta-se uma coleção de bichinhos que um dia pertenceu a uma criança, outros quadros, e a um canto, um pequeno escritório, ao lado do walk-in closet.

À porta, como uma esfinge guardiã, deita-se o gato, olhos semicerrados, a dignidade personificada que se esparrama no carpete. A cadeira de rodas está próxima ao leito. Há roupas espalhadas pelo chão. A porta do banheiro está aberta, e junto ao perfume de lavanda, ouve-se o ruído da água corrente e a voz de uma mulher a cantar. Os olhos do gato miram sem surpresa a mão adormecida do visitante, que pende ao lado da cama.

texto e imagem © malu baumgarten, 2020

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