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Foto do escritormalu

a porca

– por maria teresa h. fornaciari -


Mas era primavera. E a menina de vestido marrom chegou ali com seu olhar angustiado de defloramento. Olhou em volta e encontrou o galo de crista empinada encarando-a com alegre soberba; topou também com a galinha carijó com penas vestidas de arrepio, ciscando tonta, tonta, querendo sair em desespero do terreiro fechado com tela miúda, pelo portãozinho que a menina deixara aberto - os gaviões chegariam sem avisar para massacrar seus pintinhos indefesos na penugem amarelada. A galinha os protegeria, mas isso era amor? E ela ouvia o eco da voz rouca e grossa de quem também deveria resguardá-la: “você é minha, é minha, só minha”. 

Desviou os olhos das galinhas poedeiras vermelhas, gordas em seu mundaréu de muita pena e pouca carne, de oco emburrecido por dentro e ração para apenas botar e botar, sem conhecer a doçura do aconchego por baixo de suas asas rubras. Amor deveria passar longe dali, da mesma forma que ocorria com as outras, d’angolas, irritadiças e barulhentas.

     Dora procurava amor para seu desconsolo naquele tempo de primavera cheia de cor, contrastando com o cinzento de seu coração de menina violada. Dirigiu-se à casa dos carneiros que, balindo e correndo com suas pernas finas, viviam em círculo vicioso, numa doce e ingênua existência de quem existe apenas para balir sem pensar em nada.  A menina dolorida evitava as pessoas e procurava nos bichos uma réstia de amor de que era carente, recém desprovida de sua pureza de menina loira.

       Estava sem ar e foi até a cerca do pasto, onde cavalos e bois alimentavam-se balançando os rabos para espantar as moscas. Olharam para ela com desinteresse e continuaram sua rotina monótona. Onde encontrar o animal que poderia lhe ensinar o amor? Caindo de sono, sentiu uma vertigem que quase a levou ao chão, quando a égua branca se aproximou da cerca e cheirou os cabelos lisos da menina de costas, aprisionada no mundaréu do sítio. Talvez a égua tivesse acreditado fossem seus cabelos fios de uma espiga de milho, pronta a ser devorada por sua fome animalesca. Nem bem conseguiu entender o que se passava, sentiu um tranco: um cavalo enorme, galopando veloz, foi chegando perto e, sem que a égua se desse conta, montou-a com violência atraído pelo cheiro, mostrando os dentes, sabedor que era daquele cio.

        A menina pareceu ver-se comida como acontecia com a égua e fugiu mais veloz que pôde, segurando-se no portãozinho do chiqueiro, onde meus dez leitões pequeninos sugavam-me as tetas inchadas de leite,  que contrastava com o negrume de meu torso liso. Olhou para mim quase num desmaio, a menina cheia de dor que veio pedir socorro a nós, os bichos, e eu me levantei, bambaleando, admirando seu olhar de céu. Ela olhou fundo nos meus olhos pretos e aos poucos sorriu. Foi um minuto só, um minuto, e meu olhar também ficou azul, um azulado todo anil, como nunca aconteceu a uma leitoa com responsabilidade de nutrir e proteger e amar e amar. Se a portinhola estivesse sem cadeado, tenho certeza de que ela entraria e se sentaria sobre a palha para ninar meus filhotes vestidos de lama, naquele tempo de primavera.


- gravura/colagem por Elisabeth Baumgarten





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