da série a história de Johnny Skai
- por malu baumgarten -
Subiu vagarosamente a Yonge street até o parquinho ao lado da igreja batista de Yorkminster. Parou por um momento à esquina da Yonge com Heath, para negociar a subida do scooter na calçada. A gerigonça patinou enquanto um ou dois carros esperavam, mas subiu. O pacote caiu, e um sujeito que vinha logo atrás inclinou-se solícito e o alcançou. A conversa foi curta: “Muito obrigado” “Imagine!”. No parquinho não quis subir na grama. Ficou ao lado, perto das mesas onde os mendigos e as pessoas que não tinham um lugar onde degustar sua comida se sentavam esparsas. Era uma vantagem não ter que achar um banco. Já estava sentado. Olhou para os pés inchados. Gigantes pés de bebê. Abriu o pacote e tirou seu sanduíche de hambúrguer vegetariano, a salada de alface americana com tomate e pimentão e um pacotinho de molho italiano à guisa de tempero. Os guardanapos e talheres descartáveis estavam lá, mas ele pausou por um momento para apanhar uma caixinha de plástico, longa e retangular com vários compartimentos. Abriu uma das portinholas, despejou as pílulas na mão, levou-as à boca, inclinou-se com esforço sobre o guidom para alcançar a garrafa d’água na cestinha do scooter, bebeu devagar para fazer os remédios descerem. O alarma tocou no telefone, anunciando duas da tarde, ele passou o dedo displicentemente sobre a tela, e disse a si mesmo, ou ao telefone – “já tomei o das duas”.
Comeu o sanduíche olhando os esquilos e as pombas no parque. Segurava o telefone como se estivesse distraído, mas não perdeu as duas adolescentes que desciam a rua aos saltos, em shorts e cabelos coloridos. Click. Logo mais o homem jovem de rosto duro, mochilão nas costas e capuz, a empurrar uma bicicleta, com certeza um sem-teto, click, e o casal trocando beijos lambuzados, click. Pausou por um longo tempo para editar as fotos no aplicativo do telefone. Começou a volta à casa por volta das 4:30.
Desceu a Yonge devagar, sempre cuidadoso ao subir e descer calçadas. O carrinho deslizava lomba abaixo, ele alto e encurvado em seu assento, o rosto bonito de nariz romano e cabelos que prometiam ser crespos se deixados a crescer livremente. Usava óculos grossos de aro preto ao redor de seus olhos negros e doces, para dar-se um ar de distinção, dissera à companheira. Ao sul da St. Clair Avenue, a rua estava em obras, com barreiras, grandes peças de concreto e canos a enterrar. “Em Toronto o ano tem apenas duas estações: inverno e construção”, diz o ditado. O scooter emborcou na esquina da Yonge com Pleasant Boulevard, derrotado pelo pequeno declive da calçada e uma pedrinha solta no chão. Ele caiu sem gemer, os ossos magros no concreto da rua, seus pertences despejados da cestinha e esparramados pelo solo, passantes levantando seu corpo do chão e de volta ao carrinho, a mulher com a criança que juntou suas coisas e o fez verificar que estava tudo ali, o agradecimento misturado com humilhação.
Retomou o caminho de casa devagar, sentindo agora o peso do dia, a fadiga que tomava seu corpo inteiro. Maldito corpo, murmurou para si mesmo, malditas pernas que não andam, maldita esclerose múltipla.
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