- por simone magalhães brito -
No quintal da memória, havia essa pequena ânfora da qual o musgo se apossou.
Não sei como foi parar na Grécia,
se um dia desses era um pote
que o velho cansado enchia de água boa duas vezes por semana,
o burrinho da carroça observava morrendo de sede,
o frio da cozinha
e a mãe esfregava com bombril para não juntar lodo.
Água doce.
Não sei como chegou no mar.
No tempo de Ulisses,
com cauda de peixe e cabelos de polvo, uma sereia foge e faz da ânfora a sua morada.
Passavam grandes baleias e barcos, coisas que ondulam e derrubam,
Mas como o pote na sombra do quintal, a casa estava firme na areia.
A sereia sente que voltou pra mãe.
Uma manhã, com ferro e com rede, arrastaram a caminha da sereia.
Os olhos brilhantes de sal não lembravam dor.
Ainda era uma sereia menina que parecia dormir.
Agora, a ânfora guarda a água fria do último sonho da sereia.
Não sei como foi parar no quintal,
se um dia desses era concha
que o menino colocava no ouvido para ouvir as ondas
e o vento nascia na porcelana marinha
uma grande matança de lagartixas
e a avó limpando a terra para plantar flores
que os bichos iam comer.
Água verde.
Onda de cabelos que o lodo roubou.
- foto bebê baumgarten -
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